Hoje em dia blindamos tudo...
Blindamos os carros, os vidros, as casas...
O motivo seria o medo? Insegurança?!
Mas e quando nos blindamos? Como que por conspiração, nos tornamos ainda
mais limitados!
Blindamos a alma, a boca, o coração...
Chegamos até a blindar o medo com medo de sentir medo!
Fato, não nego, construí essa parede! Tem tanto tempo que
ela é feita de tijolos gastos e a pintura (feita apenas para fazer de conta que
não havia nada ali) já está encardida! A pintura não funcionou, dava de cara
com a parede toda vez que eu tentava dar um passo, eu sabia que ela estava ali.
Cada vez que dava de cara o próximo passo era ir atrás da marreta para colocar
tudo abaixo! Mas, como que por ironia, essa coisa de blindagem é
boa...funciona! Eu empunhava a marreta, juntava minhas forças para levantar,
mas a força era tanto que não sobrava mais nada para bater a primeira vez e
começar a ver aquilo tudo se reduzir a pó! Comecei a achar que era fraqueza...e
isso é estranho, levando em consideração que foi exatamente a fraqueza que me
levou a levantar todo aquele reboco.
Esquece a marreta, não vai funcionar, e isso é uma pena,
pois era a minha melhor possibilidade! Dava de cara mais algumas vezes, a cada
hematoma me escondia, esperava ele passar e depois reaparecia como se nem
conhecesse a parede, até bater outra vez! Cada vez que batia lembrava o motivo dela
estar ali!
Vou ficar com a parede mesmo, é mais seguro, na pior das
hipóteses o olho roxo se torna uma boa história, até mesmo uma briga, uma briga
comigo mesma!
Opa, problema! De tanto dar de cara, descobri que a parede
era fina, apenas uma camada, quase uma película de mau gosto. Criei alguns
furos na minha blindagem. Por esses furos consigo ver o que me trouxe até
aqui...os sorrisos, as confianças...droga! Como confiança dói!
O grande problema é que aí vem a saudade. Agora da pra
entender, consigo sentir saudade da dor, preciso mesmo de uma blindagem!
Borboletas...no estômago...quase um enjoo disfarçado de balanço cada vez que
olho esse abismo que descobri na minha parede. Da próxima vez que você se
mostrar assim vou ter que te jogar daqui!
Não posso te deixar entrar, quero...não posso. E até acho
que você não quer...vamos trabalhar com essa hipótese!
E cada vez que um tijolo furar ele será restaurado e nós
continuamos assim fechando buracos, sentindo saudade de abismo e espantando
borboletas, pensando no estrago que o bater de asas de uma delas pode causar do
outro lado desse mundo...ou da parede!